Crônicas do Censo II: idosos confusos com o interfone

Até as assombrações me respondem com educação e certas pessoas, não

Isabela Lobato
2 min readSep 20, 2022

Hoje foi um dia difícil. Ninguém queria me receber, ouvi muito desaforo e grosseria.
Lá pela sexta hora de trabalho, uma senhora topou responder o questionário mas não queria descer até o portão do prédio, então ficamos conversando pelo interfone. Não sei se culpo a qualidade prejudicada do som ou o ouvido de 74 anos da dona, mas o fato é que a nossa comunicação estava... complexa.
De qualquer forma, foi um engasgo breve, já que era o questionário básico e ela mora sozinha.
Cantando vitória, fiz a última pergunta.
- De janeiro de 2019 à julho de 2022, faleceu alguém que morava com a senhora?
- Julho de 2022? Eu.
Nessa hora, eu não sabia se ria ou se ficava com medo da assombração.

Não fiz nenhum dos dois: repeti a pergunta pronunciando bem a palavra "faleceu", que nem as pessoas fazem inutilmente quando tentam falar português com alguém que claramente não entende português.
- Ah, faleceu? Então eu não. - ela disse com calma, como quem esclarece um mal entendido casual, uma tranquilidade estranha à uma pessoa que acabou de confundir seu próprio estado metafísico.
Queria muito saber o que essa senhora entendeu quando perguntei pela primeira vez.

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